“Delegado Fleury foi morto pelos militares"
Delegado da ditadura diz ter participado da decisão. E confessa o assassinato de dirigentes comunistas, como Nestor Veras
Tales
Faria, iG Brasília | 02/05/2012 09:48:51 -
Atualizada às 02/05/2012 11:38:51
Delegado
Cláudio Guerra
Símbolo
da linha-dura do regime militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury – titular da
Delegacia de Investigações Criminais (DEIC) de São Paulo – foi assassinado por
ordem de um grupo de militares e de policiais rebelados contra o processo de
abertura política iniciado pelo ex-presidente Ernesto Geisel. É o que afirma
Cláudio Antônio Guerra, ex-delegado do DOPS (Departamento de Operações Políticas
e Sociais) do Espírito Santo.
Em
depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro “Memórias
de uma guerra suja”, que acaba de ser editado, Guerra conta ter participado da
reunião em que foi decidida a morte de Fleury.
Ele
próprio teria dado a ideia de fazer tudo parecer um acidente. Acabou sendo
enviado para liquidar o colega. Mas, por problemas operacionais, a execução
teria ficado para um grupo de militares do Cenimar, o Centro de Informações da
Marinha.
No
livro ao qual o iG teve
acesso, o delegado confessa ter sido um dos principais encarregados pelo regime
militar de matar adversários da ditadura entre os anos 70 e 80.
Guerra
está sob proteção da Polícia federal. Tornou-se uma testemunha-chave às vésperas
do início dos trabalhos da Comissão da Verdade, criada para apurar violações aos
direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar
(1964-1988).
Ele
conta ter executado pessoalmente militantes de esquerda como Nestor Veras, do
Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), após uma sessão de tortura
da qual afirma não ter participado:
“(Veras) tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”
“(Veras) tinha sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos os tiros. Foi enterrado por nós.”
Além
do assassinato de Veras, Guerra conta como matou, a mando de seus superiores,
outros militantes contra o regime, como: Ronaldo Mouth Queiroz (estudante
universitário e membro da Aliança Libertadora Nacional – ALN); Emanuel Bezerra
Santos, Manoel Lisboa de Moura e Manoel Aleixo da Silva (os três, do Partido
Comunista Revolucionário – PCR).
Queima de arquivo
Queima de arquivo
“O
delegado Fleury tinha de morrer. Foi uma decisão unânime de nossa comunidade, em
São Paulo, numa votação feita em local público, o restaurante Baby Beef”, afirma
Cláudio Guerra.
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação:
Além dele, segundo conta, estavam sentados à mesa e participaram da votação:
O
coronel do Exército Ênio Pimentel da Silveira (conhecido como “Doutor Ney”); o
coronel-aviador Juarez de Deus Gomes da Silva (Divisão de Segurança e
Informações do Ministério da Justiça); o delegado da Polícia Civil de São Paulo
Aparecido Laertes Calandra; o coronel de Exército Freddie Perdigão (Serviço
Nacional de Informações); o comandante Antônio Vieira (Cenimar); e o coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do Departamento de Operações de
Informações do 2º Exército – DOI-Codi), que abriu a reunião.
“Fleury
tinha se tornado um homem rico desviando dinheiro dos empresários que pagavam
para sustentar as ações clandestinas do regime militar. Não obedecia mais a
ninguém, agindo por conta própria. E exorbitava. (...) Nessa época, o hábito de
cheirar cocaína também já fazia parte de sua vida. Cansei de ver.”
Guerra
conta que chegou a fazer campana para a execução, mas o colega andava sempre
cercado de muita gente. “Dias depois os planos mudaram, porque Fleury comprou
uma lancha. Informaram-me que a minha ideia do acidente seria mantida, mas
agora envolvendo essa sua nova aquisição – um ‘acidente’ com o barco facilitaria
muito o planejamento.”
A
história oficial é, de fato, que o delegado paulista morreu acidentalmente em
Ilhabela, ao tombar da lancha. Mas Guerra afirma que Fleury na verdade foi
dopado e levou uma pedrada na cabeça antes de cair no mar.
"Militantes de esquerda foram incinerados em usina de
açúcar”
Delegado revela em livro que viraram cinzas os corpos de David Capistrano, Ana Rosa Kucinski e outros oito opositores da ditadura
Ele
lançou bombas por todo o país e participou, em 1981 no Rio de Janeiro, do
atentado contra o show do 1º de Maio no Pavilhão do Riocentro. Esteve envolvido
no assassinato de aproximadamente uma centena de pessoas durante a ditadura
militar. Trata-se de um delegado capixaba que herdou os subordinados do delegado
paulista Sérgio Paranhos Fleury na linha de comando das forças de resistência
violenta à redemocratização do Brasil.
Apesar
disso, o nome de Cláudio Guerra nunca esteve em listas de entidades de defesa
dos direitos humanos. Mas com o lançamento do livro “Memórias de uma guerra
suja”, que acaba de ser editado, esse ex-delegado do DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social) entrará para a história como um dos principais terroristas de
direita que já existiu no País.
Mais
do que esse novo personagem, o depoimento recolhido pelos jornalistas Marcelo
Netto e Rogério Medeiros, ao longo dos últimos dois anos, traz revelações
bombásticas sobre alguns dos acontecimentos mais marcantes das décadas de 70 e
80.
Revelações
sobre o próprio caso do Riocentro; o assassinato do jornalista Alexandre Von
Baumgarten, em 1982; a morte do delegado Fleury; a aproximação entre o crime
organizado e setores militares na luta para manter a repressão; e dos nomes de
alguns dos financiadores privados das ações do terrorismo de Estado que se
estabeleceu naquele período.
A
reportagem do iG teve
acesso ao livro, editado pela Topbooks. O relato de Cláudio Guerra é
impressionante. Tão detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos
roteiros de trabalho da Comissão da verdade, criada para apurar violações aos
direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui a ditadura militar
(1964-1988).
David
Capistrano, Massena, Kucinski e outros incinerados
Cláudio
Guerra conta, por exemplo, como incinerou os corpos de dez presos políticos numa
usina de açúcar do norte Estado do Rio de Janeiro. Corpos que nunca mais serão
encontrados – conforme ele testemunha – de militantes de esquerda que foram
torturados barbaramente.
“Em
determinado momento da guerra contra os adversários do regime passamos a
discutir o que fazer com os corpos dos eliminados na luta clandestina. Estávamos
no final de 1973. Precisávamos ter um plano. Embora a imprensa estivesse sob
censura, havia resistência interna e no exterior contra os atos clandestinos, a
tortura e as mortes.”
O
delegado lembrou do ex-vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro,
proprietário da usina de açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos, a
quem ele fornecia armas regularmente para combater os sem-terra da região. Heli
Ribeiro, segundo conta, “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo
tomasse o poder no Brasil”.
Cláudio
Guerra revelou a amizade com o dono da usina para seus superiores: o coronel da
cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira, que trabalhava para o Serviço
Nacional de Informações (SNI), e o comandante da Marinha Antônio Vieira, que
atuava no Centro de Informações da Marinha (Cenimar).
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:
Afirma que levou, então, os dois comandantes até a fazenda:
“O
local foi aprovado. O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em
cinzas qualquer vestígio humano.”
E
lista no livro dez presos incinerados:
-- João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
-- Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, (“a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”);
-- David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
-- Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
-- João Batista e Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Fleury;
-- Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva, (“a mulher apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente, e o jovem não tinha as unhas da mão direita”);
-- David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”) , João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes históricos do PCB;
-- Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
“A
usina passou, em contrapartida, a receber benefícios dos militares pelos bons
serviços prestados. Era um período de dificuldade econômica e os usineiros da
região estavam pendurados em dívidas. Mas o pessoal da Cambahyba, não. Eles
tinham acesso fácil a financiamentos e outros benefícios que o Estado poderia
prestar.”
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