terça-feira, 20 de maio de 2014

DEUS SALVE A COPA! OU A QUEM INTERESSA A MENSAGEM DO "NÃO VAI TER COPA"?


A melhor forma de submeter um povo é fazê-lo menosprezar sua cultura e valorizar a do outro. Uma infinidade de estudos demonstra esta máxima que sempre foi aplicada nos processos de colonização, com níveis diferentes de sucessos. Nas Américas, considerando os povos que por aqui viviam estavam sobre formas muito diversas de organização social, a dominação deu-se igualmente diversa. Nos países do Oriente a dominação foi mais tardia e menos capaz de subjugar as culturas nativas, obrigando os dominadores a negociarem com a população nativa suas formas de opressão, sobretudo nos aspectos e diferenças culturais mais acentuados. Assim, por lá as culturas originais tiveram mais oportunidades de sobreviver, embora as condições dessa sobrevivência possam ser questionadas. Minha intenção, ao fazer menção a esses processos de colonização é empregar alguns de seus aspectos para refletir um pouco sobre o Brasil e a Copa do Mundo de Futebol de 2014.

O futebol foi o mais difundido e saudado esporte no Brasil - considero a memória familiar, pois meu pai de 80 anos, homem urbano e pobre de BH, é um torcedor fanático de Atlético Mineiro desde os anos 1950. Sei que durante a ditadura muito se fez para que nosso povo não torcesse pela seleção que conquistou o Tricampeonato de Futebol de 1970, auge da ditadura militar - projeto que não logrou sucesso, nem mesmo entre alguns dos membros da esquerda.  Depois roubaram a taça. Sintomático...  Eu, como legítimo filho da ditadura, fui comemorar os jogos da seleção brasileira nas ruas desde os anos 1970. Nos anos 1980, em meio a uma situação econômica de alta inflação e desemprego, reservava um pouco do mísero salário de mensageiro para ir comemorar as vitórias, menos robustas, da seleção.

Apesar de não ser um torcedor fanático, fui percebendo que o futebol fazia já parte da alma do brasileiro. O país parava para assistir aos jogos, meus filhos choraram ao assistirem as derrotas da seleção brasileira em momentos que a única coisa em que se poderia torcer ou acreditar no Brasil era no futebol. Agora, que o país conseguiu distribuir renda, minimizar a miséria, incorporar um segmento inteiro da população à vida civil, oferecendo-lhe oportunidade de estudo, universidade, acesso ao crédito, à casa própria, a serviços mínimos de saúde me vejo, novamente, impossibilitado de torcer pela seleção...

Fico me perguntando: a quem interessa a "recusa às obras da Copa"? A “recusa à Copa”?
Esta é uma pergunta que deveria ser feita a todos nós brasileiros.

Sei bem que há uma luta política ferrenha que está por trás desses discursos do "não vai ter Copa"; desde os mais legítimos que questionam os investimentos estatais – municipais, estaduais e federais - no evento, sobretudo por causa dos eventuais desvios de recursos que quaisquer obras monumentais mobilizam.Mas, também existem aqueles que se valem desses reais problemas para solaparem a Copa do Mundo de Futebol e os partidos, sobretudo o da administração federal (PT) que estiveram por trás de sua realização.

O ano é eleitoral e isso aconteceria de qualquer forma, mas o apoio da mídia nativa e de outros agentes sociais – alguns nem tão legítimos, ás vezes até ingenuamente conquistados, contribuem para que se jogue fora a água do banho com o menino junto, como se diz na linguagem popular.

Ainda assim, me pergunto: a quem serve menosprezar tanto o evento e aos brasileiros que poderiam, ao contrário de todas as outras Copas anteriores, celebrar entusiasticamente as conquistas de nossa nação e os avanços que nosso povo foi capaz de realizar em tão pouco tempo.

A quem interessa não permitir aos brasileiros "gozar" as conquistas que extraíram de seus esforços históricos, sobretudo das últimas décadas?

Por que afinal não nos permitimos celebrar, gozar, reconhecer que, se ainda não está completo nosso projeto de nação, ele finalmente começou a caminhar numa direção que merece ser comemorada?

Tal como torcedor histórico da Seleção – sempre penso: ela poderia ser melhor - não estou considerando que as críticas devem ser menosprezadas. Mas torço e torci para que ela tenha sucesso e conquiste a Copa

Não posso concordar com o “não vai ter Copa”! Estamos no momento de celebrar as conquistas, ainda que haja um longo caminho a percorrer.

Salve aqueles que são capazes de celebrar! Salve aqueles que se empenham tanto em celebrar, quanto em criticar. Salve a alegria que sempre marcou o povo brasileiro!

Salve o povo brasileiro que sempre celebrou suas conquistas, ainda que elas, noutras épocas, não fossem além do futebol!

Salve a Copa do Mundo de Futebol e o que ela deveria significar para nós, brasileiros, se não fossemos tão estreitos em nossos horizontes e tão presos a nossa pobre historicidade.

Se Deus é brasileiro como dizem, então...
Deus salve a Copa e o povo brasileiro que será capaz de comemorá-la, tal como os grandes avanços sociais alcançados nas últimas décadas, apesar dos erros.

Ele estará salvando a incipiente auto-estima brasileira, da qual só tivemos um breve vislumbre. Deus salve o povo brasileiro da triste sina que lhe querem impingir: não gozar suas conquistas, arduamente, forjadas. 

A Copa é, afinal, do Brasil e de seu povo. ... Tal como foram todas as outras conquistas do povo brasileiro. A Independência não foi de D. Pedro I, nem a Lei Àurea da Princesa Isabel ou as Leis Trabalhistas do Vargas; a Copa de 1950, a (ECO) Rio 1992,  os diveros encontros do Forum Social Mundial, os Jogos Panamaricanos de 2007, no Rio, a Rio +20 em 2012  ...  Nada disso foi "realizado" por alguém, mas pelos esforços, por meio do trabalho do povo brasileiro.

Muitos de nossos intelectuais ainda pensam assim e subtraem ao povo algumas de suas mais importantes conquistas. Uma pena que a colonização tenha sido tão eficaz por aqui. Nem alguns segmentos da esquerda parecem ter escapado de seu legado. 

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